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Desde que emigrei tenho lido e ouvido tanta coisa, desde o fabuloso "os ratos são os primeiros a abandonar o barco", porque o nosso país precisa é de quem fique a lutar para que as coisas melhorem e não de pessoas que fujam dos problemas e traiam a pátria! Até ao optimístico jargão de que "em Inglaterra é que é bom, é tudo fácil e já devemos estar ricos"!
Se às pessoas cabe a liberdade de dizer e escrever estas coisas, também a mim me dá o direito de ter uma opinião e perspectiva muito própria sobre isto tudo.
Eu não sinto que em momento nenhum tenha traído ou abandonado Portugal, considero que o país não tinha mais, nem melhores condições de vida para a minha família. Se lutei por elas?
Vejamos, tenho uma licenciatura em Serviço Social, os currículos e candidaturas espontâneas que enviei devem ter ultrapassado as mil, as respostas que tive, estão guardadas num dossier e não devem ter chegado às dezenas, de concreto tive um estágio profissional financiado pelo IEFP, numa IPSS, que se revelou uma fraude, onde convivi com abusos de poder e corrupção.
Depois disso, continuei a bater às portas e a mandar cv, sempre sem resposta, acabei com um part-time (ilegal) num atelier de arquitectura paisagística, ao que se seguiu um emprego num escritório de advogados sempre como administrativa.
Às vezes penso que não me soube "vender" devidamente, não alinhei em cunhas e compadrios e fiquei a perder, a esta altura poderia estar como técnica de serviço social, numa qualquer instituição, por força de amiguismos e a rir-me para a crise, com emprego garantido, mas adiante...
O meu marido, a trabalhar numa empresa de consultoria, estava no escritório, sede da mesma, sem projecto atribuído porque não havia nada no mercado de clientes no momento, para os conhecimentos que ele detinha.
Fizeram-lhe a primeira proposta para ir desempenhar funções, num cliente no estrangeiro, o qual recusámos, por ser um país europeu, mas longínquo e do qual nem a língua conhecia.
Conscientes de que este negar da proposta não iria repetir-se, dado que as empresas hoje em dia não se dão ao luxo de terem pessoas paradas, só porque estas não se querem sujeitar ao que lhes querem oferecer, surge a proposta para vir desenvolver um projecto num cliente no Reino Unido, durante três meses.
Assola logo à mente das pessoas que devia ter tudo incluído: deslocações, estadia, mais as ajudas de custo a acrescer ao vencimento mensal.
Desenganem-se, reembolsaram a viagem no início e no fim do projecto, a estadia foi por nossa conta e as ajudas de custo, não chegaram para custear a estadia, a alimentação, uma viagem que fez a meio e outras despesas.
O sentimento de logro começou a fazer sentir-se na nossa pequena família, separados por quase 3000 quilómetros, sujeitos a peripécias diárias e a verificarmos no fim do mês que a nossa liquidez, não cobria as despesas a que estávamos sujeitos.
Começámos a pensar se não seria mais viável sairmos do país, até porque terminado o projecto, o que iria ser proposto ao meu marido, seria novamente uma estadia noutro cliente qualquer, no estrangeiro e sujeito às mesmas condições! Continuaríamos a estar separados, sem perspectivas de que isso viesse a ter fim.
Ponderada que foi a questão e tomada a decisão, o meu marido foi transferido pela empresa de consultoria, para a sede no Reino Unido e acabou por desempenhar as mesmas funções, no mesmo projecto em que estivera, na mesma empresa.
Eu deixei um emprego, sem grande estabilidade, que não me realizava nem pessoal, nem profissionalmente, onde na realidade só estava por necessidade de um vencimento no final do mês, que mal chegava para pagar a creche do meu filho!
Perante o quadro familiar e profissional que vivemos naquela altura, julgo que tomámos a decisão que nos pareceu mais acertada.
Se foi a melhor, ainda não sei.
O investimento para chegar aqui foi grande, a todos os níveis e não sei se alguma vez o iremos recuperar.
A vida aqui é mais fácil?
É diferente! O dinheiro aqui, como em qualquer lado, conquista-se a pulso, não é fácil, nem é tudo bom, como aparenta ou como se pensa.
Julgo que nunca contei os tostões como agora, porque ainda temos mais despesas, o encargo de duas habitações, fora alimentação, calçar, vestir, creche e extras, onde se enquadram as viagens duas vezes por ano, pelo menos para ver a família.
Pese embora que as oportunidades aqui existem, que a organização e estrutura dos serviços seja diferente, que haja outra atenção perante os cidadãos e as suas necessidades, o tempo meteorológico é deprimente, o estar longe da família e dos amigos é das coisas que mais custam a ultrapassar e passado 7 meses desta aventura ainda não sei mencionar se valeu a pena.
Não quero com este longo post, justificar-me perante as pessoas que comodamente opinam sobre o facto de termos emigrado ou sobre a vaga de emigração se faz sentir em Portugal, quero apenas deixar explicito o meu sentir sobre tudo isto.
Tenho tanto para escrever, ideias que me submergem, sentimentos, emoções, tudo, mas não consigo extravasar para a escrita.
Ainda não! Mas sei que quanto mais tempo tudo isto andar na minha cabeça, me vai consumindo, abafando...
Sei que descrito aqui, com todas as letras, me fará encarar a dura realidade daquilo que sinto, que sou ou de que me estou a transformar e isso é ainda mais difícil de aceitar.
Entretanto, vai estando cá dentro, a assoberbar-me o pensamento, os minutos, as horas e os dias, até que a coragem me dê um empurrão e me faça teclar sem medo e consiga dar início à caminhada de aceitação e da mudança.
Está a chover, estamos os dois enfiados em casa.
Cantarolámos músicas, ele quis ir pôr o CD da Leopoldina (2011) a tocar.
Numa das músicas começa a chorar copiosamente, pensei que se tivesse magoado, depois de muito insistir lá me acena afirmativamente à pergunta se lhe fazia lembrar a escola, a Carla, a Susana e os meninos.
Quem diz que as crianças se adaptam facilmente esquece-se destes pequenos pormenores, do sentimento de pertença que se vê assim quebrado, da saudade...
Nem sempre, ou diria melhor, nunca as coisas decorrem como planeadas.
Se por agora deveríamos estar a retomar uma nova rotina, principalmente para mim, ter finalmente alguma estabilidade financeira e psicológica, eis que nos puxaram o tapete e nos fizeram cair em pleno chão.
Ainda não nos conseguimos levantar, estamos estatelados, estupefactos com o que nos está a acontecer e ainda a levar com o pó e as pedras que o puxão do tapete acarretou.
Queremos levantar-nos, olhar para o horizonte, ver o sol a renascer e ser iluminados pela Luz, mas está difícil.
Há quem tenha por prazer ver-nos estatelados no chão, mas eu acho que é só por uma questão de tempo...
A Luz em que eu acredito, nunca me deixará na escuridão!
Durante estas férias, tivemos, infelizmente um funeral, um tio do meu marido que faleceu com cancro.
O filho, primo do Victor e padrinho do meu filho, esteve sempre calmo, sereno, nunca o vi chorar, ou sequer mais abalado, perante a rudeza da situação.
Comentou que tinha dito tudo o que havia para dizer ao Pai e este lhe tinha feito o mesmo.
Sei que não teve uma vida fácil, com o Pai a protagonizar situações dolorosas e sofridas para toda a família, durante quase toda a existência daquele casamento.
Contudo, tiveram um perante o outro, numa fase já complicada da doença a coragem e a lucidez de conversar, de baixar as armas e de abrir o coração.
De falarem do que certamente mais os magoou, de perdoarem.
Não acredito que seja um passo fácil de concretizar, nem perante esta situação de doença terminal, nem perante outra qualquer situação de vida.
Mas julgo que quem tem a grandeza e o poder de conseguir ter esta conversa, deve sentir uma grande serenidade e paz de espírito, ao ponto da dor da partida ser amenizada, apesar de nunca se esquecer quem parte...
Que eu aproveitei ao máximo o calor de Portugal e andei sempre de vestidos e calções, há excepção de um único dia que vesti calças.
Sim, porque aqui os dias sucedem-se com duas estações intercaladas, o Inverno, com chuviscos, chuva torrencial e vento, o Verão, quando abre o sol, até queima, mas não dura o tempo suficiente para nos fazer largar as calças e os impermeáveis.
Parece que anunciam subida de temperatura e sol para a semana que hoje se inicia, mas eu já estou como S. Tomé: "ver para crer!"
Que dizer?
Foram 3 semanas repletas de alegria, partilha, sorrisos, iguarias, sol, praia.
Um casamento, um funeral, uma missa de Bodas de Estanho.
A família sempre junta...
Regressei com as baterias recarregadas, o coração repleto de amor e a alma apaziguada.
Fica sempre um aperto por quem fica, uma lágrima que cai a cada despedida.
Mas infelizmente a vida caminhou para este rumo e por muito que nos custe, por hora, é assim que tem de ser...
Agora, é arregaçar as mangas e enfrentar este mundo selvático em que estamos a viver!
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